MISTICISMO - O impacto da busca de misticismo no Judaísmo vindo da Europa

Introdução

Este estudo, dá continuidade a nossas reflexões críticas sobre o fenômeno do Misticismo.

Desta vez, nos perguntamos, até que ponto termina a espiritualidade e começa a magia? Assumindo desde então, que o fenômeno da espiritualidade seria distinto do da busca pelo misticismo. O primeiro diz respeito a busca do ser humano em conferir sentido ao mundo à sua volta, e o segundo, na busca por confirmações de crenças sobrenaturais, criadas pelo próprio ser humano. A espiritualidade está sendo então, distiguida da crença no sobrenatural.

Muitas das atividades e crenças mágicas atribuídas a alguns sábios antigos eram, como veremos, bastante surpreendentes. O que se questiona, é se algumas práticas religiosas antigas, tornaram-se inerentemente mágicas ou se isso, tinha sido algo que foi declarado como “mágico”? Ou seja, se trata da crença no sobrenatural dos sábios, ou teria aquilo sido atribuído por um “outro” agente (que nutria tal crença)?

Este estudo é amplamente baseado na pesquisa do Professor JH (Iossi) Chajes, que proporcionou perspectivas importantes para a extensão da compreensão do Misticismo, como magia "judaica".

[JH Chajes, JH, 2011, na obra 'Rabbis and their (In) Famous Magic: Classical Foundations, Medieval and Early Modern Reverberations,' (rabinos e suas mágicas famosas: fundamentos clássicos, e as reverberações medievais e do início da modernidade) no Ra'anan S. Boustan, et al., Eds., Jewish Studies at the Crossroads of Anthropology and History: Authority, Diaspora, Tradition, (estudos judaicos cruzados com antropologia e história: Autoridade, Diáspora e Tradição) Penn Press, Philadelphia, 58-79.]

TALMUD

Sabemos que existem muitas referências a atividades mágicas no Talmud Bavli. Sabemos também que na versão mais antiga deste estudo, o Talmud Ierushalmi, encontramos bem menos referências disso.

O Talmud Bavli apresenta uma imagem, um tanto ambivalente poderíamos dizer, de sua atitude ou posicionamento, em relação a suposta realidade da magia. Em suas discussões, chega a compará-la com as leis do Shabat e descreve certos atos, por meio do jargão “patur aval assur”, ou seja, ações que não seriam puníveis (por um tribunal), mas mesmo assim, seriam proibidas.

Abaie disse: As leis de keshafim [magia] seriam como as [leis] do Shabat. Certas ações seriam punidas com [pena capital por] apedrejamento; outras, estariam isentas de punição, mas [continuariam] proibidas; outras seriam permitidos, em primeira instância. Quem praticasse um ato [considerado mágico] receberia condenação de [pena capital por] apedrejamento. Aquele que criasse um [ato que fosse considerado] ilusão, estaria isento, mas seria proibido [mesmo assim]; e há aqueles [atos] que seriam [até] permitidos em primeira instância, como [aquele que] foi realizado pelo rabino Hanina e o rabino Oshaia, que passavam todas as vésperas de Shabat estudando as Leis da Criação, por meio das quais [se diz que] criaram um bezerro de três anos [portanto] adulto, e o comeram.

[Sanhedrin 67b]

TORÁ

As referências ao chamado KISHUF ou magia são surpreendentes, considerando a proibição da Torá em Devarim (18 : 10 - 12):

לֹֽא־יִמָּצֵ֣א בְךָ֔ מַעֲבִ֥יר בְּנֽוֹ־וּבִתּ֖וֹ בָּאֵ֑שׁ קֹסֵ֣ם קְסָמִ֔ים מְעוֹנֵ֥ן וּמְנַחֵ֖שׁ וּמְכַשֵּֽׁף׃

Que ninguém seja encontrado entre vocês que faça seu filho ou filha passar pelo fogo, ou que seja um áugure, um adivinho, um prognosticador, um feiticeiro,

וְחֹבֵ֖ר חָ֑בֶר וְשֹׁאֵ֥ל אוֹב֙ וְיִדְּעֹנִ֔י וְדֹרֵ֖שׁ אֶל־הַמֵּתִֽים׃

aquele que lança feitiços, ou aquele que consulta fantasmas ou espíritos familiares, ou aquele que faz perguntas aos mortos.

כִּֽי־תוֹעֲבַ֥ת ה כׇּל־עֹ֣שֵׂה אֵ֑לֶּה וּבִגְלַל֙ הַתּוֹעֵבֹ֣ת הָאֵ֔לֶּה ה אֱלֹקיךָ מוֹרִ֥ישׁ אוֹתָ֖ם מִפָּנֶֽיךָ׃

Pois todo aquele que faz tais coisas é abominável para o HaShem, e é por causa dessas coisas detestáveis ​​que o HaShem vosso Elohim está despojando eles, de diante de vocês.

De acordo com isso então, foi por causa da prática da magia dos Kena'anim, que eles teriam sido punidos pela expulsão da terra, e os israelitas não deveriam ter qualquer forma de associação com tais práticas.

Sendo este o caso, seria de se esperar que a tradição rabínica evitasse as práticas mágicas com horror. Mas, as fontes tradicionais revelam uma atitude e posição, muito complicadas em relação à magia. Os rabinos da Babilônia pareciam tolerar isso!

Refletindo desde aquilo que foi contado, atribuído ao próprio Moshe Rabeinu, por exemplo, que o texto diz ter matado o egípcio e o Midrash complementa que ele fez aquilo usando, não uma espada ou faca real - como alguém interpretaria normalmente - mas "com o nome Divino", como o Midrash em Shemot Rabah sugere, texto referido como o Harba d'Moshe ou Espada de Moshe.

Esta expressão, bem mais tarde, se tornou o título de um antigo texto sobre magia judaica.

Lavan (personagem da parashat Vaieitze, Bereshit 30 : 27), por outro lado, foi abertamente descrito como alguém, que usava ativamente (“nihashti”) a adivinhação, mas na narrativa da Torá, ele representa o “outro” que não se deve imitar.

O RAV HAI GAON

Já no século XI, o mundo rabínico foi confrontado com a popularização de figuras chamadas de Ba'alei Shem (termo plural para: Baal Shem ) ou Mestres do Nome.

Ao contrário do que é popularizado, isso nada tinha que ver com a fama ou forma que tal pessoa era considerada. Nem teria relação com quanto era estimado. O termo diz respeito a mágicos e curandeiros itinerantes, que usavam abertamente simpatias, magias e amuletos; nas várias cidades judaicas por onde passavam.

Em uma pergunta feita pelos judeus de Kairouan (atual, Tunísia) ao Rav Hai Gaon (1004-1038) em Pumbedita (atual, Falujah) sobre as atividades desses tais Ba'alei Shem na Europa, incluindo a alegada "capacidade" mágica deles, de "viajar longas distâncias" num curto período de tempo (a magia chamada de kevitzat hadere'h ), o Gaon da época, o Rav Hai Gaon respondeu que, em primeiro lugar, não acreditava em tais alegações. Naquela época, este comportamento mais racional, era típico de rabinos gaônicos, que eram em geral mais racionalistas.

Ele não hesitou em se posicionar, e considerou estes chamados Ba'alei Shem como charlatães, envolvidos em engano e ganhando dinheiro com isso.

Mas, o Rav Hai Gaon era mais uma exceção rabínica, do que uma regra, de como se comportavam os rabinos, especialmente na Europa daquela época. Os rabinos de lá, não só gostaram da ideia, mas endossavam os charlatães e até os admiravam.

Hoje em dia, definir os Ba'alei Shem se tornou muito difícil, porque alguns vieram de formação e outros não. O suposto praticante (ou Makubal, o chamado cabalista em tempos posteriores) era freqüentemente elevado (ou seja, cultuado), a um status mais alto do que qualquer outro personagem conhecido dentro do Judaísmo (vide, os "rebes"), enquanto outras vezes este mesmo personagem, era desprezado.

Haviam também o caso de que, mulheres eram frequentemente associadas à bruxaria. Isso acontecia desde os tempos do Talmud, onde temos uma cena em que Abaie recomenda técnicas de cura "que aprendeu com sua mãe".

[Shabat 66b]

Às vezes, gênero e classe eram os motivos para se desprezar esses praticantes de magia, mas parece que, na maioria das vezes, eles eram elevados a um status quase icônico.

[P. Katzenellenbogen, Yesh Manchilin (Jerusalem, 1986), 97]

RABINO PIN'HAS KATZENELLENBOGEN (1691-1765 / 7)

Um rabino, chamado Pin'has Katzenellenbogen teve a coragem de condenar oficialmente as práticas mágicas (a esta altura, absolutamente populares nas comunidades judaicas europeias); mas, ao mesmo tempo exibia uma inclinação para aquilo.

Ele escreveu sobre uma técnica "mágica" que aprendeu com o rabino Iossef de Jerusalém, alguém considerado então, Baal Shem itinerante, que ele conheceu e hospedou na própria casa, em 1720.

Esta tal tecnica, exigia uma prática mais dramática e cruel: Moer as gengivas de uma criança considerada "atingida" por feitiçaria, nas pedras da parede que rodeia a casa.

Ele havia aprendido essa "técnica" (horrorosa) com esse tal rabino Iossef, que a teria ensinado, depois que “mulheres bruxas”, supostamente causaram a morte de várias crianças na cidade da qual ele tinha vindo.

A única razão pela qual o rabino Katzenellenbogen se absteve de realizar este rito pessoalmente (ainda bem!), foi porque:

"Estava abaixo da minha dignidade fazer isso sozinho, por minhas próprias mãos."

[J. H. Chajes, 2003, Between Worlds: Dybbuks, Exorcists, and Early Modern Judaism, Philadelphia, 71–85]

Chajes (2011: 66) explica:

Assim, Katzenellenbogen procurou outro rabino para aplicar a técnica que ele conhecia perfeitamente bem, mas relutava em executar ele mesmo.”

Ainda assim, o rabino Katzenellenbogen copiou instruções para fazer um anel "mágico", para (pasmem!) "tratar a epilepsia", em sua vontade ética, que ele tirou da vontade ética de seu avô. Este padrão de "rejeição oficial" das práticas mágicas, seguido por incursões ocasionais no "reino da magia", não era incomum no mundo rabínico Medieval, especialmente o Europeu. Imagine quantas crianças não sofreram nas mãos de lunáticos itinerantes naquela época? A notícia ruim é que eles estão ativos em Israel, até hoje, recebendo financiamento governamental e privado para promover misticismo.

O CASO DO RABINO HAIM VITAL (1543-1620)

Alguns rabinos, como o rabino Haim Vital, nem tentaram (não era preciso) esconder seu envolvimento com a magia, às vezes apenas mudando a terminologia (para fazer soar "mais judaico"), onde o termo “magia” algo obviamente proibido, foi redefinido como “misticismo” para parecer permissível. Este é o caso até hoje.

Chajes cita RJZ Werblowsky, onde o rabino Vital postulou uma “distinção original, e sem precedentes na literatura clássica, entre 'fórmulas mágicas' [hashba'ot] e 'fórmulas místicas' [ihudim].”

Neste caso, mudar o léxico foi o suficiente para trazer práticas até então questionáveis ​​dentro da rubrica de um misticismo agora chamado "judaico".

O rabino Haim Vital, que era o aluno do rabino Itzhak Luria (o famoso Ari'zal), engajou-se em muito na chamada Kabalah ma'assit (a Kabalah "prática", ou seja, prática de mágia).

Chajes (2011: 63) explica como o Ari não se envolvia com procedimentos mágicos em público, mesmo quando eles se assemelhavam a algumas de suas próprias inovações supostamente espirituais, que incluíam o uso de nomes considerados sagrados e que se tornavam um componente principal da chamada Cabala Luriânica.

Em vez disso, ele enviava seu jovem aluno para realizar ritos como exorcismos. Prática aliás, vigente até os dias de hoje, em cículos Ortodoxos/Hassídicos/Cabalísticos, embora se procure esconder tais fatos atualmente.

O rabino Vital gostava de consultar mulheres, judias e gentias, que costumavam ser associadas à clarividência e à adivinhações com óleo. Ele também se associava a homens gentios no mesmo campo.

Chajes (2011: 66) explica:

A colaboração parece ter sido o método preferido de superar as pressões compensatórias sobre as autoridades rabínicas, para permanecerem desvinculadas da "práxis" e de suas indignidades, sem fugir das expectativas de que seu conhecimento esotérico "beneficiaria" suas comunidades.

O rabino Vital, por sua vez, tinha um sócio rabínico, alguém chamado Iehoshua Albom, com quem realizava vários "tratamentos", muitas vezes com amuletos.

[M. Benayahu, 1967, Toldot haAri, Jerusalem, 299–306.]

Em uma ocasião, o rabino Vital instruiu o rabino Albom a confeccionar um amuleto para uma jovem, no objetivo de "evitar que ela fosse possuída, após o suposto espírito ter sido exorcizado" dela.

Segundo o relato do próprio rabino Vital sobre o episódio, o suposto "espírito" se queixava de que o rabino Albom, não 'obedecia às regras', porque não utilizava “as técnicas do livro em sua posse”...

No entanto, o tal espírito elogiou o rabino Albom, por sua habilidade em "adiamentos e feitiços".

Essa habilidade ele havia aprendido com seu professor, o rabino David Mughrabi, que aparentemente tinha: "mãos aleijadas e era coxo, mesmo assim, seria um escriba habilidoso que escrevia tefilin, mezuzot e rolos da Torá com a boca".

[Shtober, S., ed., 1994, Sefer Divrei Yosef le-R. Yosef Sambari, Jerusalem, 414]

De qualquer forma, a jovem que eles supostamente "trataram", mais tarde passou a “dominar os espíritos”, e se tornou um novo oráculo líder em sua comunidade.

O rabino Vital também registrou que aquele tal rabino Albom e essa garota, foram capazes de desenhar "anjos" que seriam "visíveis" apenas em espelhos...

Esse é o tipo de atividade que ocorria nas comunidades judaicas do século XVII. Imagine realmente, o susto de Espinosa ao crescer em meio a uma comunidade asssim!

O rabino Vital escreve sobre uma viagem que empreendeu a Salahia, ao norte de Damasco, para consultar um feiticeiro não judeu (sim! um mehashef ), chamado Sheikh ibn Aiūb, que se especializava em "curar aqueles cujas doenças seriam causadas por demônios".

O rabino Vital esperava que o Sheik mágico pudesse ajudá-lo com um problema de visão de que ele mesmo sofria. O rabino Vital descreve o Sheik, usando “sete reis demônios” para ajudá-lo... Pois é... No entanto, o rabino Vital escreve que os taios "demônios" não puderam permanecer na mesma sala que ele, por causa de sua “extrema santidade" (quanta modéstia!), então ele não pôde ser curado por isso...

Sinagogas e 'laboratórios'

Durante o século XVI, a maioria dos exorcismos ocorria nas casas dos possuídos. Mais tarde, porém, as cerimônias foram transferidas para as sinagogas. Os exorcismos tornaram-se eventos públicos, com a participação de um minian (um quórum, ou agrupamento de dez homens). O minian era considerado necessário, para colocar o suposto "espírito" sob um Herem ou Banimento.

[Nigal, G., 1994, Dybbuk Stories in Jewish Literature, Jerusalem, 51. (Hebraico)]

Esses eventos se tornaram, de acordo com Chajes (2011: 67), " uma espécie de teatro considerado sagrado ... e talvez até mesmo planejado conscientemente, para reforçar a autoridade rabínica."

Ou seja, os rabinos Europeus do passado (e do presente) reforçam crenças místicas, para aumentarem a própria autoridade sobre as pessoas. É o uso da credulidade alheia, para dominação.

O CASO DO RABINO LEON MODENA (1571-1648)

O veneziano do século XVII, rabino Leon Modena escreve em sua autobiografia, chamada Haiei Iehudah , como a atividade mágica ocorria no que poderíamos chamar de "laboratórios". Isso também acontecia porque as práticas às vezes envolviam experimentação com alquimia. Ele descreve como seu filho, Mordechai se tornou aprendiz do padre Joseph Grillo. Depois de cumprir seu aprendizado, Mordechai “arranjou um lugar no Gueto Vecchio e com suas próprias mãos, fez todos os preparativos necessários para o ofício”.

[Mark R. Cohen, M. R., ed. and trans., 1988, The Autobiography of a Seventeenth-Century Venetian Rabbi: Leon Modena’s Life of Judah, Princeton, N.J., 108.]

RABINO SHMUEL FALK, O BA'AL SHEM DE LONDRES (1708–1782)

O rabino Iáacov Emden escreveu veementemente em seu Sefer haHitavkut contra o rabino Samuel Falk, conhecido na época, como o "Baal Shem de Londres".

Ele também ridicularizou outro Baal Shem, chamado Moshe David em seu Meguilat Sefer. Ainda assim, se conta que o rabino Emden fez um anel de ouro, com um nome gravado, para tentar "curar uma menina doente"...

Como o caso do Arizal e do rabino Katzenellenbogen, o rabino Falk não tinha uma abordagem prática para sua atividade mágica, mas em vez disso, confiava na colaboração, o que, de acordo com Chajes (2011: 67), significava que ele usava rabinos que “eram de um nível social inferior e menor perfil intelectual”para, por meio deles, realizar os aspectos mecânicos da administração da magia. Se alguém fosse difamado por algo sair errado, seria o outro...

Normalmente, uma dessas tarefas era a (hoje em dia famosa) recitação de Tehilim...

O rabino Falk tinha um assistente, o rabino Tzvi Hersh, e eles tinham um espaço dedicado, que alugaram na London Bridge para seu trabalho mágico. Eles trataram este espaço com reverência e conduziram longas cerimônias lá.

Esperava-se que o rabino Tzvi Hersh e outros associados permanecessem acordados a noite toda, recitando Tehilim, para evitar que "os demônios preenchessem o vazio" caso fossem embora...

Chajes (2011: 68) escreve:

...a instituição de um laboratório mágico, num local público e central, também o tornava facilmente acessível aos clientes, o que não era uma consideração insignificante para um ba'al shem, cujo sustento dependia da prestação de serviços a uma clientela rica. Os cadernos de anotações de Falk e seu assistente, realmente lançam uma luz considerável sobre a economia da atividade mágica, fornecendo uma janela para a dimensão financeira do funcionamento de um "negócio mágico".

Chajes enfatiza que, a proficiência em magia, muitas vezes trazia autoridade ao rabino místico (outrora inexistente), que teria sido muito respeitado, por "sua habilidade de curar e exorcizar". O mesmo caso dos "rabinos" da atualidade em Israel, especialmente nos grupos Hassídicos.

RABINO IEHUDÁ HEHASSID (1150-1217)

O rabino Iehudá heHassid também começava alertando as pessoas para não praticarem magia por causa de seu perigo inerente.

Chajes (2011: 69) explica que rabinos místicos eram considerados "heróis", porque não tinham medo de "enfrentar aqueles perigos"...

Por causa do supostos perigos, o rabino Iehudá heHassid escreve em seu Sefer Hassidim:

Portanto, se deve distanciare de fazer tudo isso, e também resistir [a] perguntar sobre sonhos [por exemplo,] a fim de saber qual esposa tomar ou em que assunto ele terá ou não terá sucesso ... quantos que tiveram [adiamentos ] e quantos que fizeram [perguntas de sonho] foram diminuídos, apostataram ou adoeceram gravemente, eles ou seus filhos? E não se deve pedir a outros que façam isso por ele. Nada é melhor para uma pessoa do que rezar ao Santo por todas as suas necessidades.

[ Margalioth, Sefer Chasidim, 194, §205.]

No entanto, se diz do próprio rabino Iehudá heHassid, que teria escrito um amuleto que afirmava ter o "poder reviver os mortos"...

Além disso, ele é descrito como "derrotando" (o que quer que isso signifique) o bispo de Salzburgo, que teria vindo a Regensburg para matá-lo. Incentivando o bispo a olhar pela janela:

O rabino Iehudá, por meio de nomes místicos, fez com que a janela ficasse mais comprida e estreita de modo que ele não pudesse mais tirar a cabeça para fora e quase foi estrangulado.

[Gaster, Ma‘aseh Book, 370, §174.]

Chajes (2011: 78) explica essa aparente dicotomia entre o que parece ser duas abordagens diferentes do comportamento do rabino Iehudá heHassid:

A postura anti-maiga de princípio do rabino Iehudá, no Sefer Hassidim, pode refletir sua personalidade histórica, mas parece certo que o rabino Iehudá da "hagiografia" agia de uma maneira que o rabino Iehudá do Sefer Hassidim teria de condenar.

Em outras palavras, contruíam "lendas" sobre os rabinos que se posicionavam contra a magia, para fazer parecer que, "secretamente" eles a praticassem. Esta "técnica" existe até hoje, por exemplo, com grupos hassídicos alegavam que o Rambam era "um místico" ocultamente...

E como é muito difícil separar "o fato da ficção" e a história objetiva da hagiografia, especialmente nos estudos judaicos, é muito comum (se não for a norma) ter relatos exagerados da vida de um rabino ou alguém considerado tzadik.

O sucessor do rabino Iehudá heHassid, o rabino Eleazar de Worms, entretanto, parecia não se opor, nem mesmo oficialmente, à manipulação de “ nomes ” e supostas “energias”, e ele até mesmo compôs "berahot" ou bênçãos mágicas, servindo a esses fins.

Ele escreve em seu Sefer HaShem:

O [nome] é transmitido apenas aos mansos, que não ficam com raiva, e aos tementes a Deus, que cumprem os mandamentos de seu Criador. É transmitido apenas sobre as águas, como está escrito, “a voz do Senhor está sobre as águas” (Tehilim 29 : 3). Antes de o mestre ensinar seus discípulos, eles devem se banhar em água e mergulhar no [banho ritual que mede] quarenta se'ah. Devem vestir roupas brancas e jejuar no dia em que ele lhes ensinar [os nomes], e devem ficar em pé na água até os tornozelos [coxas]. Então o mestre abre a boca com medo e diz: “Bendito és tu, ó Senhor, nosso Deus, rei do universo, Senhor, Deus de Israel, tu és um e o teu nome é um, e tu nos mandaste esconder o teu ótimo nome, pois seu nome é incrível. Bendito sejas, Senhor, que revela o seu segredo aos que o temem, aquele que conhece todos os segredos.”

MAIMONIDES, O RACIONALISTA - MAGIA, DEMÔNIOS E ANJOS NÃO EXISTEM!

O Rambam (1135-1204) assume uma posição quase solitária em sua época, contra a mentira da magia e portanto, contra os rabinos charlatâes, que se envolviam com ela.

Ele simplesmente afirma claramente, que Magia é proibido pela Torá e, de qualquer forma, foi proibido porque não é real e nem mesmo existe!

Maimônides também afirmou que os Malahim, (os Mensageiros, chamados "anjos") existem apenas na imaginação de quem vê (durante sonhos e visões), e que os chamados demônios simplesmente, não existem.

Esses conceitos (seres mágicos, espíritos, demônios e etc) estavam em desacordo com o monoteísmo absoluto. (Alguns sugeriram de forma semelhante que o “monoteísmo” foi, em certo sentido, subvertido a uma forma do que pode ser descrito como “monolatria” e a Cabalá como um politeísmo judaico).

Maimônides foi - é claro - perseguido por seu racionalismo e, no final do século XIV, na Espanha, uma carta (forjada - obviamente) foi distribuída em seu nome, alegando que ele havia desistido de seu racionalismo e abraçado o misticismo e a magia. Nos bastidores, muitos rabinos atuais do movimento místico Chabad, repetem a mesma mentira, para alegar que Maimônides era místicos e seria membro de sua seita hassídica se fosse hoje...

A carta, forjada para parecer ter sido enviada para seu aluno, num estilo que se assemelhava a sua carta autêntica (de onde o charlatão provavelmente copiou) e que aparece na introdução do Guia dos Perplexos, explica como ele teria "mudado de idéia" e que "agora se retratava de todo o seu racionalismo anterior"...

A carta continua a expor uma crença, numa "recém-descoberta" crença no poder dos nomes mágicos Divinos... Claramente, quem escreveu a carta exaltando as virtudes das buscas mágicas, sabia exatamente quem Maimônides era e o que ele pensava, pois isso procurava imitar seu estilo de escrita.

De forma pungente, mas angustiante, Chajes (2011: 79) resume essa necessidade de enquadrar os rabinos racionalistas "como místicos", mostra a crença popularizada na mentalidade popular (do passado e do presente) de que, sem a habilidade de fazer mágica, o rabino não teria estatura duradoura:

Não é senão um sinal de desconforto com a perspectiva de deixar a imagem póstuma de um herói cultural desprovida da poderosa carga de proezas mágicas...

Conhecimento, intelecto, aprendizagem e compreensão tornaram-se insignificantes no Judaísmo vindo da Europa, com seus Hassidismo, Misticismo e por meio da Cabalá.

Se um grande rabino não pudesse ser percebido como sendo capaz de mudar a ordem natural da realidade em seu benefício, era não era para eles, "um líder espiritual". Então, para o misticismo, espiritualidade é o mesmo que prática de magia.

Isso certamente, não é o que espiritualidade significa, para nós racionalistas.